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Channel: E eu com isso? » Marcos Donizetti
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Uma disputa pelo espaço público

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Se há algo ca­rac­te­rís­tico de um mo­mento his­tó­rico é que não o as­si­mi­la­mos de ime­di­ato. Sobre os acon­te­ci­men­tos em São Paulo e em ou­tras ci­da­des do Brasil, mui­tas são as teorias.

Há quem acre­dite que é mesmo um pro­testo so­bre o preço al­tís­simo das ta­ri­fas de ôni­bus, há quem diga ser a in­fla­ção, a cor­rup­ção, os gas­tos ab­sur­dos nos pre­pa­ra­ti­vos para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Pode ser a vi­o­lên­cia en­dê­mica, a saúde, a ine­fi­ci­ên­cia de todo e qual­quer ser­viço pú­blico, a de­si­gual­dade so­cial. Pode ser tudo isso ou nada disso, nunca saberemos.

Mesmo di­ante da in­cer­teza, eu te­nho uma per­cep­ção. Não exa­ta­mente do que deu iní­cio aos pro­tes­tos, se fo­ram os R$ 0,20 da pas­sa­gem, já não im­porta mais; mas do que este mo­vi­mento se tor­nou: uma dis­puta pelo es­paço público.

Por es­paço pú­blico entende-se a pró­pria ci­dade e seus es­pa­ços de cir­cu­la­ção e in­te­ra­ção en­tre os agen­tes so­ci­ais e, prin­ci­pal­mente, onde as pes­soas ga­nham voz e efe­ti­va­mente par­ti­ci­pam do jogo de­mo­crá­tico. O es­paço pú­blico é onde o ci­da­dão está e onde a de­mo­cra­cia acon­tece, e o bra­si­leiro tem sido sis­te­ma­ti­ca­mente ali­jado deste lugar.

Trata-se de um jogo de xadrez.

De um lado, os que es­tão gri­tando sua in­sa­tis­fa­ção e seu de­sejo de mu­dança. De ou­tro, o Estado, ze­la­dor do pa­trimô­nio pú­blico e pri­vado, opres­sor, co­er­ci­tivo, de­ten­tor do di­reito de exer­cer «vi­o­lên­cia le­gí­tima» (Max Weber).

O que vi­mos na úl­tima quinta, 13 de ju­nho de 2013, em São Paulo, fo­ram lan­ces deste jogo. É um du­elo de dis­cur­sos: nosso go­ver­na­dor e se­to­res de nossa im­prensa ten­tam des­qua­li­fi­car toda e qual­quer de­manda dos ma­ni­fes­tan­tes. «São ba­der­nei­ros e vân­da­los», di­zem. Nosso pre­feito de­cla­rou que os ma­ni­fes­tan­tes são «pes­soas in­con­for­ma­das com o es­tado de­mo­crá­tico de direito».

Simbólica, na­quela noite, foi a dis­puta pela Avenida Paulista (um dos car­tões pos­tais da ci­dade). A tropa de cho­que in­ter­di­tou o trân­sito com o ob­je­tivo de im­pe­dir a che­gada dos ma­ni­fes­tan­tes ao lo­cal, para que eles… não atra­pa­lhas­sem o trân­sito! Meus ami­gos e co­nhe­ci­dos de­mons­tra­ram grande es­tra­nha­mento so­bre isso, fa­lando do quanto a ati­tude da po­lí­cia foi pa­ra­do­xal ou exem­plo claro de burrice.

Nem uma coisa nem ou­tra. Não se trata de man­ter a flui­dez do trân­sito. Uma re­vista se­ma­nal de grande cir­cu­la­ção es­tam­pou em seu site a man­chete «ma­ni­fes­tan­tes im­pe­di­dos de to­mar a Paulista», e não há exem­plo me­lhor do que es­tou fa­lando, de que a ati­tude da tropa de cho­que é ab­so­lu­ta­mente co­e­rente, dado o que está em jogo.

O que te­mos é uma par­tida de “cap­ture a ban­deira”, em que a Avenida Paulista é o prê­mio que re­pre­senta o tal es­paço pú­blico. O que o po­der pú­blico afir­mou (e a po­lí­cia mi­li­tar, boa men­sa­geira que é, trans­mi­tiu o re­cado com es­forço e de­di­ca­ção), foi «a ci­dade é nossa, e nunca será de vo­cês». O que os ma­ni­fes­tan­tes pre­ci­sam res­pon­der? «Isso é o que vo­cês pensam!»

Se não hou­vesse res­posta, con­ti­nu­a­ría­mos vi­vendo esta es­tra­nha si­tu­a­ção de ser­mos re­féns em nossa pró­pria ci­dade, ali­e­na­dos de um es­paço que é nosso.

O que me tran­qui­liza é que no­vas ma­ni­fes­ta­ções es­tão mar­ca­das, em di­ver­sas ci­da­des do país. Aparentemente, a opres­são não fi­cará sem a res­posta me­re­cida.

Texto em resposta ao Marco Santos, que pergunta: afi­nal o que se está a pas­sar no Brasil?


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